domingo, 6 de abril de 2014

Biodiversidade Urbana


Neste momento é incontestável que a biodiversidade assume grande importância e entrou na Agenda Política Internacional, Nacional e Local.
A Convenção da Diversidade Biológica é um instrumento político-legal de âmbito internacional sobre a gestão da biodiversidade. Em 2010, em Nagoya, com base na Convenção sobre Biodiversidade Biológica, elaborou-se o Plano Estratégico para a Biodiversidade para o período 2011-2020, intitulado “Vivendo em Harmonia com a Natureza” o qual pretende que até 2050 a biodiversidade seja “valorada, conservada, restaurada e prudentemente utilizada, mantendo os serviços dos ecossistemas, suportando um planeta saudável e fornecendo benefícios que são essenciais para todos os seres humanos” e acrescenta “as Partes devem desenvolver mecanismos de apoio à aplicação do Plano, disponibilizando recursos técnicos e financeiros tempestivos, adequados, previsíveis e sustentáveis.”
Também de acordo com a Agência Europeia do Ambiente “até há pouco tempo, os argumentos em favor da conservação das espécies e dos habitats eram baseados antes de mais em questões como a sua singularidade evolutiva, raridade ou ameaça de extinção. Hoje estes argumentos também incluem a forma como a manutenção da biodiversidade beneficia directamente as pessoas e contribui para o bem estar e a qualidade de vida.”
A União Europeia enquanto organismo regional também tem contribuído para que a biodiversidade seja considerada como um recurso com valor incalculável. Na Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2020, sob o tema “O Nosso Seguro de Vida, o Nosso Capital Natural”, estabelece que “até 2050 a biodiversidade da União Europeia e os seus serviços ecossistémicos que ela fornece – o seu capital natural – sejam protegidos, valorados e adequadamente restaurados pelo valor intrínseco da biodiversidade e pela contribuição essencial para o bem estar humano e a prosperidade económica de forma a que sejam evitadas as mudanças catastróficas causadas pela perda de biodiversidade.”
A importância da biodiversidade urbana tem aumentado, a Convenção da Diversidade Biológica em 2010 adotou um Plano de Ação para a Biodiversidade relativo aos governos subnacionais, cidades e outras autoridades locais. Este Plano propõe a adoção do Índice de Singapura de Biodiversidade nas Cidades (City Biodiversity Index) e reúne indicadores de 3 categorias: biodiversidade na cidade; serviços ecossistémicos; governância. Este Índice foi testado em várias cidades como Curitiba, Bruxelas, Londres ou Lisboa. A Medida Bd 2.1.1 pretende garantir a existência de uma paisagem diversificada que suporte uma rede de corredores naturais que permitam a extensibilidade de espécies autóctones nas áreas urbanas.
A Comissão Europeia elaborou a “Estratégia Temática sobre Ambiente Urbano”, assumindo a importância das zonas urbanas, uma vez que 4 em cada 5 cidadãos da UE vivem nas zonas urbanas, directamente dependentes do ambiente urbano existente. Esta estratégia pretende contribuir para o aumento da qualidade de vida, com níveis de poluição que não tenham efeitos nocivos na saúde e no ambiente, encorajando um desenvolvimento urbano sustentável. No seu ponto 6.2. faz-se referencia à conceção urbana sustentável com um adequado planeamento da utilização dos solos, de forma a fortalecer os habitats naturais e procurando-se a promoção da biodiversidade urbana e a sensibilização dos cidadãos urbanos.
A biodiversidade está em todo o lado, e as cidades não são excepção. A maior parte da população mundial vive nos centros urbanos e espera-se que, com a emergente situação dos países em desenvolvimento, esta seja uma realidade cada vez mais ampliada. A proliferação e vivência nas grandes cidades trouxe consigo o acentuar de novos problemas, como é o caso do tráfego aéreo, rodoviário, indústria, ruído, poluição, substituição de espaços verdes por equipamentos de apoio à população e, habitação. A urbanização da paisagem fragmentou o ambiente natural e consequentemente alterou a paisagem e os seus processos biológicos.
A expansão da urbanização acarreta consigo perturbações dos ciclos hidrológicos e biológicos, perda de habitat, concentração de poluentes e resíduos e o fenómeno de “ilhas de calor”. Em termos de saúde vai interferir no aumento das doenças relacionadas com a qualidade do ar e água, saneamento, stress e calor, mas também na propagação imediata e disseminadora de doenças com causa viral ou epidémica.
O ambiente urbano condiciona a biodiversidade, menos tolerante à agitação urbana, o ruído, o movimento, falta de alimento e abrigo natural. Embora o espaço urbano seja um limitador das espécies selvagens, existem espécies que ao longo do tempo empreenderam uma adaptação ao meio. Daí os espaços verdes urbanos desempenharem um papel de grande importância para estas espécies como suporte da biodiversidade, mas não só, também são reguladores do clima local e de mitigação de doenças, protecção contra cheias pela retenção de águas e formação de zonas de infiltração de águas pluviais, na regeneração e purificação do ar, no sequestro do carbono, importante gás implicado nas alterações climáticas. Mas também tem importância na protecção do solo e redução do ruído.
Igualmente interfere na qualidade de vida das populações, atuando muitas vezes de forma inspiracional, educacional, espiritual ou simbólica, quer por criar condições para o recreio, prática de desporto, quer por ser muitas vezes a única ligação que a população em geral tem com o mundo natural.
Na primeira infância isso pode significar a interiorização dos valores da natureza e o contato com a sua essência, as mudanças ocorridas nas diferentes estações do ano, os múltiplos cantos das aves, as cores e textura das plantas e flores.
Apesar dos inconvenientes dos espaços urbanos, a verdade é que muitas espécies preferem viver nestas áreas, como é o caso dos pombos, ratos ou pardais, as razões são muitas e variadas. A nossa sociedade cria muitos resíduos e desperdícios o que dá a estas espécies o lugar ideal para encontrar abundancia de alimentos, sem que na sua maioria necessitem estar preocupados com predadores. A situação torna-se tão agradável para os seres humanos que se tornam tolerantes à sua presença, alimentando-os deliberadamente. Apesar de à primeira vista não serem visíveis, a verdade é que as cidades têm uma grande abundancia de abrigos e nichos ecológicos (casas abandonadas, varandas, telhados, jardins, hortas, bosques, lagos ou fontes). É também nos centros urbanos que existem as melhores condições climatéricas (ilhas de calor) com mais 1,5ºc acima das zonas não urbanas.
A adaptabilidade é tal que muitas espécies não sobreviveriam sem a presença humana, como é o caso dos pardais domésticos – Passer domesticus.
Esta vivencia nas zonas urbanas, tal como para o Homem acarreta alguns perigos fortemente relacionados com a falta de qualidade do ambiente. Esperança de vida muito curta relacionada com a agitação e circulação de veículos, apenas viabilizada pela elevada fertilidade motivada pelo abundante alimento. Mortes provocadas pela poluição atmosférica, excesso de ruído, falta de refúgios nas construções modernas que adotam linhas mais sóbrias, escassez de vegetação e da sua continuidade e elevado nível de stress.
Dependendo da qualidade e quantidade dos habitats disponíveis, as cidades atraem mais ou menos diversidade de animais. As aves são o grupo mais abundante e também o mais visível, embora não seja apenas composto por pardais, pombos, gaivotas ou andorinhas. As aves são também o grupo com maior capacidade de adaptação, facilidade de deslocação e ocupação. Existe por isso uma verdadeira ornitologia urbana.
Por vezes muitas outras espécies passam despercebidas e só damos pela sua existência quando por circunstâncias diversas, como foi o caso ocorrido comigo há cerca de 5 anos, quando no trajeto para o meu emprego bem cedo, apercebi-me de uma cria de coruja das torres na berma da Estrada Nacional 250/1, muito possivelmente o primeiro vôo mal sucedido, entreguei-a aos guardas florestais do Parque Natural Sintra Cascais que por sua vez a reencaminharam para o Centro de Recuperação de Animais Silvestres de Lisboa, em Monsanto, mais tarde e em tempo foi libertada nesta região com a assistência de escolas de Lisboa do 1º ciclo.
Embora a maioria da população tenha uma especial simpatia por aves, existem outras espécies que desempenham um papel preponderante na sociedade humana. Dirijo-me agora a répteis, a cobra-de-ferradura, é uma serpente inofensiva para o ser humano e grande devoradora de ratos e ratazanas que infestam os nossos meios urbanos. No ano 2000 estimava-se que na área da grande Lisboa existiriam cerca de 4,5 milhões destes roedores, quase o dobro da população existente.
Também as osgas, muito pouco apreciadas, desempenham um papel fundamental por devorarem centenas de mosquitos, estes sim, possíveis portadores e transmissores de doenças para o Homem e outros animais.
As lagartixas também estão presentes, assim como sapos, rãs, salamandras e por vezes tritões, todos grandes consumidores de insectos nocivos ao ser humano. Em áreas maiores, como os jardins do Palácio de Queluz, também é possível visualizar cágados na Ribeira do Jamor, que os atravessa.
Mamíferos como os musaranhos, coelho bravo, toupeiras e ouriço-cacheiro são comuns em jardins e parques amplos mas também nas hortas urbanas espalhadas pelo Concelho. Infelizmente só damos pela sua presença quando sofrem um acidente, principalmente rodoviário e no início da Primavera, altura em que os juvenis saem de perto da progenitora e aventuram-se por novos caminhos. Os morcegos são outros mamíferos que vivem mais perto de nós do que suspeitamos, não será por acaso que em pleno Cacém há 2 anos encontrei um morcego ferido numa asa, desta vez, depois de o isolar para o manter sem stress, liguei para o SEPNA que o recolheram e entregaram em Monsanto. Estes animais embora não sejam muito acarinhados  desempenham um papel ecológico de grande importância porque se alimentam exclusivamente de insectos, aproximadamente o seu peso numa só noite!
A experiência de mesmo num ambiente urbano estar em contato com a natureza é extraordinária, é preciso apenas criar disponibilidade para isso!

Bibliografia consultada:
Gooders, John (1994), Guia de Campo das Aves de Portugal e da Europa, Lisboa: Círculo dos Leitores;

Partidário, Rosário (2013), Integração dos Serviços dos Ecossistemas na Avaliação de Impactos. Instituto Superior Técnico de Lisboa, 28 de Março, 2014, disponível em:

Comissão Europeia, (2010), Proteção da biodiversidade na União Europeia: Quais os próximos passos?, IP/10/32, disponível em:

Moreira, Jaqueline C.C., Schwartz M., (2006), Educação e Sensibilização no espaço urbano: Turismo em torno do jardim, Caderno Virtual de Turismo, Vol.6, nº 4: 37-48, disponível em:

Comissão Europeia (2006), Estratégia Temática Sobre Ambiente Urbano, COM(2005)718final, Bruxelas, Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, disponível em:

Agência Europeia de Ambiente, (2010), Ecosystem accounting and the costo f biodiversity losses. The case of Coastal Mediterranean Wetlands, Copenhagen: pág. 5, disponível em:

3 comentários:

  1. Cristina, o seu 1º blog explora, não os conceitos de biodiversidade e do seu valor (como era pedido ;)) mas a biodiversidade em espaço urbano, algo que na última década, e em particular desde a 9ª COP, Nagoya 2010, tem ganho imenso interesse na comunidade científica ... e a pouco e pouco na comunidade urbana, de um modo geral. Afinal, é em espaço urbano que a maioria da humanidade já vive. É uma matéria que me é muito querida. Gostei. PBN

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  2. Olá Cristina,

    Gosto de tema, e gosto da forma como é abordado!

    Entendo a biodiversidade urbana como resultante de iterações ambientais, biológicas e socioeconómicas. Contudo, a predominância de edificação/urbanização causa profundas alterações sobre o meio ambiente e, consequentemente, sobre a qualidade de vida dos seres vivos!

    A urbanização modifica a estrutura física e biótica do habitat, podendo afetar os processos ecológicos que envolvem a fauna e a flora destas áreas. Em resultado da ação antrópica a paisagem fragmenta-se num mosaico de diferentes ambientes que culminam numa série de problemas socioambientais... Inadequações que vêm ultrapassando a capacidade de suporte e de absorção do meio ambiente.

    Neste contexto, é internacionalmente reconhecida a importância da biodiversidade urbana. No entanto, “são tantas as agressões ao meio ambiente, como a poluição do ar, do solo e da água, e as suas consequências, que somente com a aplicação de sanções penais, como meio de prevenção, é que conseguiremos refreá-las”

    Fonte:
    http://www.slideshare.net/numispato/biodiversidade-em-ambiente-urbano-a-cidade-de-alccer-do-sal-28446081

    Flora, 900942

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  3. Olá Cristina,

    Gostei bastante do tema. Por vezes esquecemo-nos que, mesmo nas zonas altamente urbanizadas, as em que circula diariamente uma grande quantidade de veículos, ainda existe bio-diversidade. Pensamos que esta existe apenas em zonas florestais em que a natureza é abundante, contudo de fato a urbanização e o desmatamento efetuado afeta em grande parte a biodiversidade e os ecossistemas existentes.

    É interessante o fato de podermos verificar a evolução e extinção de biodiversidade através dos tempos como forma de adaptação ao ambiente que a rodeia. Esta evolução pode ser verificada através da análise dos fósseis existentes nestas zonas (Gray, 2014).

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